Esta é uma crónica de Santana Castilho...depois de a ler achei digna de se partilhar...achei-a fenomenal...aqui fica o texto (retirado daqui)
«À paz dos cemitérios que reina na Educação
serve bem a paz dos anestesiados que domina os professores. Dois acontecimentos
permitem glosar o tema e extrapolá-lo para a situação do país. Refiro-me à
alteração do normativo que regula o concurso dos professores e à situação da
Parque Escolar. Comecemos pelo primeiro caso. Nuno Crato exultou com o acordo a
que chegou com seis sindicatos. Os sindicalistas orgulharam-se com as alterações
que conseguiram entre a primeira proposta do ministério e o texto final. De
comum têm serem parceiros de uma comédia de disfarces e de um jogo de ilusões.
Ouvi-los reconduz-nos às longas noites eleitorais, em que todos ganham. Crato
não resolveu um único problema dos que se arrastam há décadas. Dirigentes de
sindicatos, onde há mais chefes que índios, esqueceram-se que o exercício não
era comparar a primeira proposta do ministério com o texto final. Seria comparar
a lei vigente com a que vai ser aprovada. Se o tivessem feito, não assinariam.
Pela simples razão que, salvo um ou outro detalhe menor, os professores perdem
em todos os pontos do acordo. Particularizo com os dois exemplos mais
relevantes, que uma análise total não cabe no espaço exíguo desta crónica:
1. Há 37 anos que não se resolve o óbvio: a
qualidade do desempenho dos professores depende, antes de mais, da existência em
cada escola de um corpo docente estável. Já houve tempo em que esse desiderato
custava dinheiro. Hoje conseguia-se a custo zero. É inaceitável que Crato chame
justo a um diploma donde está ausente qualquer sinal de vinculação de docentes.
É incompreensível que alguns sindicatos cantem vitória perante um acordo que
aumenta a precariedade dos seus filiados, por poucos que sejam. Se os
contabilistas de serviço quiserem que prove o que afirmo, é só escolherem o
local, dia e hora.
2. É imoral que o ministro fale de equidade ao
permitir que docentes do ensino privado concorram na primeira prioridade. O que
fez foi beneficiar os empresários dos colégios privados, a braços com a
retracção de alunos. O reajustamento no ensino privado será feito à custa dos
professores contratados do ensino público: enquanto os colégios privados se vêem
livres dos excedentes com mais tempo de serviço e por isso mais caros, milhares
de docentes contratados do ensino público serão para sempre ultrapassados pelos
colegas do privado. Equidade seria integrar nos quadros os docentes do público,
precários há anos, como, aliás, PSD e CDS defendiam quando eram oposição e como
acontece no ensino privado, por imposição do Estado.
O diploma em apreço é uma confusa teia de mais
de 50 artigos, com que concordam burocratas deslumbrados. O que os separa da
naftalina dos mais retrógrados é só o cheiro. De um lado, sindicatos com
interesses particulares e bem diferentes, sendo que a maioria não tem
representatividade. Do outro, um ministro de ego afectado pela elefantíase
mediática, que vive da benevolência dos comentadores políticos e da exploração
oportunística da fragilidade alheia. Numa situação de penúria orçamental como a
presente, com uma revisão curricular que mais não pretendeu que reduzir custos e
diminuir a contratação de professores, este epílogo não surpreende. É, tão-só,
mais uma concertação social enganosa, com um chorrilho de razões sem nenhuma
razão.
Passemos à Parque Escolar. Em tempos que já
esqueceu, Passos Coelho incomodou muitos políticos, Cavaco Silva incluído, ao
defender a necessidade de responsabilizar os políticos civil e criminalmente.
Até Louçã falou do facto como mera fantasia. Todos se esqueceram que Passos
Coelho apenas clamava pela aplicação da velha Lei 34, de 1987, sucessivamente
alterada em 2001, 2008 e 2010 pelas leis 108, 30 e 41, respectivamente. Passos
Coelho, prudentemente, esqueceu-se desse tempo. No programa eleitoral, que a seu
pedido escrevi e ele aceitou, primeiro, para renegar, depois, estava sumariada a
história da Parque Escolar e traçado o seu futuro. Para quem o tenha lido, mais
o que nesta coluna assinei sobre a Parque Escolar, em 26 de Fevereiro de 2007
(sim, 2007), primeiro, e em 17 de Fevereiro de 2010, depois, as conclusões do
relatório que veio a público são meras redundâncias. O que é novo é que este
Governo pactuou oito meses com o esquema. O que agora diz da Parque Escolar, diz
dele próprio. Porque a Parque Escolar é uma empresa com um só dono, o
Estado.
Estarão os portugueses anestesiados como os
professores? Há para já uma consciência colectiva sobre a gravidade do estado de
emergência financeira que o país vive, que dilata generosamente o limite do
tolerável. Mas os sinais crescentes de substituição da política pela “pulhítica”
poderão precipitar o despertar. A reforma administrativa, o poço sem fundo do
BPN, as “adaptações” da TAP e da CGD, a fé para combater a seca, o QREN, as
intocáveis parcerias público-privadas e a “vendetta” do presidente são apenas
sinais de que, de súbito, pode aumentar a curiosidade pública sobre o que se
passa na Islândia. »