Aqui fica o nosso primeiro
post de 2012...
Novo Ano... muitas são
as nossas expectativas e desejos para este 2012, certamente que o maior desejo
de todos nós se prende com as grandes dificuldades que temos sentido com a adversidade,
precariedade, instabilidade profissional e consequentemente financeira...
Fica aqui um
testemunho onde muitos de nós se reflecte de uma pessoa que não quis deixar de
enviar uma mensagem do ao o Primeiro Ministro Paços Coelho, digno de se ler.
"Exmo Senhor Primeiro Ministro
Começo por me apresentar, uma vez que estou
certa que nunca ouviu falar de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome
“de guerra”. Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais
antigos e também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais
recuados.
Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar
o seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa guerra
contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num país onde não
havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer. Estou feliz por o
meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito, eu não estaria aqui. Nasci
em França, porque a minha mãe teve de deixar o seu país aos 19 anos. Fê-lo
porque não tinha hipóteses de estudar e desenvolver o seu potencial no país
onde nasceu. Foi para França estudar e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito,
pois se assim não fosse eu não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem
emigrado, caso contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não
tenho porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde
nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o fizesse
seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que amava porque viveu
sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu as portas ao regresso do
meu pai e viemos todos para o país que era o dele e que passou a ser o nosso.
Viemos para viver, sonhar e crescer.
Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui
rebelde e nem sempre uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e
com a melhor média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em
Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto dizer
que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas aulas, deixei
cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi intensamente, mas mesmo assim
licenciei-me com 23 anos. Durante a licenciatura dei explicações, fiz
traduções, escrevi textos para rádio, coleccionei estágios, desperdicei algumas
oportunidades, aproveitei outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que
tinha aprendido.
Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego
sozinha. Trabalhei. Ganhei a vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais
uma vez sem ajudas. Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu
primeiro carro, a minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei
efectiva. Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. “És
provavelmente aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro.” –
disseram-me – “Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na
redacção”. Fiquei.
Aos 27 anos conheci a parteira. Tive o meu
primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. “Não há-de ser nada, pensei.
Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num instante”. Não
arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então nunca deixei de
trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não fosse a precariedade. Aos
37 anos, idade com que o senhor se licenciou, tinha eu dois filhos, 15 anos de
licenciatura, 15 de carteira profissional de jornalista e carreira ‘congelada’.
Tinha também 18 anos de experiência profissional como jornalista, tradutora e
professora, vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas
das quais como “nativa”. Tinha como ordenado ‘fixo’ 485 euros x 7 meses por
ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi preciso
escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o curso. O meu
dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas…
Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying.
Conheci as insónias noites a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela
vigésima vez, a passagem de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci –
felizmente! – também outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi
que não estava só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me
melhor. Percebi que tinha valor.
Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo a mais
pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte: faço hoje 42 anos.
Sou doutoranda e investigadora da Universidade do Minho. Os meus pais, que
deviam estar a reformar-se, depois de uma vida dedicada à investigação, ao
ensino, ao crescimento deste país e das suas filhas e netos, os meus pais, que
deviam estar a comprar uma casinha na praia para conhecerem algum descanso e
descontracção, continuam a trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo
que eu não posso. Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres.
Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como ordenado fixo
405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor primeiro-ministro. A
universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu mais uma vez reduzir-me o
ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e a recibos verdes. Não sou
independente, senhor primeiro ministro. Sempre que tenho extras tenho de contar
com apoios familiares para que os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida
de mais de cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter
fornecido um dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que
os meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois sou
mãe solteira. Até hoje, não o fez.
Tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor
primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa nenhuma e o salário mais
elevado que auferi até hoje não chegava aos mil euros. Isto foi ainda no tempo
dos escudos, na altura em que eu enchia o depósito do meu renault clio com
cinco contos e ia jantar fora e acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso
fosse viver acima das minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a
Cabo-Verde e ao Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu
trabalho tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me
custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor
primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a
gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar neste carro
do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e que devo ao banco
tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais barato do que arrendar
uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim nunca me passou pela cabeça
emigrar…
Mas hoje, senhor primeiro-ministro, hoje passa.
Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro:
Tenho mais habilitações literárias que o senhor. Tenho mais experiência
profissional que o senhor. Escrevo e falo português melhor do que o senhor. Falo
inglês melhor que o senhor. Francês então nem se fale. Não falo alemão mas
duvido que o senhor fale e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber
tal língua. Em compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o
senhor é o primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero
pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso
emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que nasceram
em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo arrancá-los do seu país,
separá-los da família, dos amigos, de tudo aquilo que conhecem e amam? E, já
agora, que lhes devo dizer? Que devo responder ao meu filho de 14 anos quando
me pergunta que caminho seguir nos estudos? Que vale a pena seguir os seus
interesses e aptidões, como os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale
enveredar já por outra via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro)
para que não se torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou,
ainda, que venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com
certeza muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria
dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus melhores – e
cada vez mais raros – valores: um ser humano em formação.
Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o
senhor não irá ler já vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor
primeiro-ministro: aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor.
Já trabalhei mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de
que sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais exacta
o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor
primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das minhas baixas
qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade. Do meu excedentarismo.
Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro: emigre você, senhor
primeiro-ministro. E leve consigo os seus ministros. O da mota. O da fala
lenta. O que veio do estrangeiro. E o resto da maralha. Leve-os, senhor
primeiro-ministro, para longe. Olhe, leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser
que os outros dois aprendam alguma coisa sobre acordos de pesca.
Com o mais elevado desprezo e desconsideração,
desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU feliz ano novo à sua escolha, senhor
primeiro-ministro
e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco,
adeus